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A palavra é a única vida que a realidade jamais poderá ter

Logo na sequência do árduo trabalho que nossos pesquisadores tiveram na elucidação sobre os nomes que as coisas gostariam de ter chegou para eles o pedido para que refletissem sobre uma situação próxima àquela: mesmo considerando que o nome das coisas fosse inadequado (ao menos do ponto de vista das coisas elas próprias), não ter um nome seria muito pior!

Como a realidade daria as caras, como ganharia vida, não fosse através da palavra que a nomeia, mesmo não sendo a palavra em questão a melhor palavra para batizar a realidade?

Imagine você, leitor, de manhã, indo tomar um café naquela velha e conhecida padoca xexelenta de sempre. Aí você se depara com um produto que lembra um pão, mas também lembra uma broa, mas também lembra um bolo, mas também lembra um sei-lá-o-quê. Você poderia dizer pro Mané o seguinte: “Portuga, me vê um desse aqui”. “Qual?” E você apontaria com o dedo. Mas, sabe-se lá o que passou pela sua cabeça naquele momento que fez você lembrar da palavra Sbronguis, e você acabou de nomear de Sbronguis um tipo de rosca que a mulher do Portuga preparou que nem tinha nome, seria alguma coisa tipo “Rosca da Maria”, mas aí poderia dar confusão!

A “Rosca da Maria” deixou se ser menos saborosa por ser alcunhada de Sbronguis?

Tem também o caso dos baixinhos que não gostam muito de serem chamados de baixinho, ou de tampinha, ou de meia-sola, ou meia-fo_a (ops!), ou meia-boca, ou anão de jardim, ou piolho, preferindo ser chamado pelo nome próprio. Mas, leitor, você concorda que até sabermos o nome do baixinho, a realidade vai de baixinho mesmo, ora! Quer dizer, na realidade a realidade que se impõe é um apelido que ganha cada vez mais e mais realidade através da palavra que dá realidade à realidade de baixinhos – concorda?

Mas, o que estava tirando o sono dos nossos pesquisadores é outro fato. Segue: incapazes de se autonomearem, as coisas ficam à mercê de quem as nomeasse para, a partir daí, terem cidadania na vida das coisas. E quem as nomeia? Os cientistas, os religiosos, os filósofos, os psicólogos e até mesmo gente como a gente, como eu, você, que às vezes consegue batizar melhor alguma coisa do que gente pretensiosamente mais inteligente e certamente mais soberba!

Claro que você, se quiser, pode chamar o Canis & Circensis de Sbronguis, como fez o colega que não identificou a “Rosca da Maria”. Mas, se você fizer isso, nós vamos ficar muito bravo! Canis & Circensis é Canis & Circensis e fim de papo!

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