Daquelas verdades que o homem persegue na vida nenhuma mais polêmica, problemática, dramática e ensanguentada do que a própria verdade. Em nome da verdade já foram ditas inverdades que até Deus duvidaria. Pior ainda o que foi feito em nome dela: não existe guerra que não tenha a verdade como justificativa. Ninguém mata um inimigo, luta pela verdade; ninguém tiraniza um colonizado, luta pela verdade; ninguém escraviza o semelhante, luta pela verdade; ninguém tenta destruir a cultura alheia, luta pela verdade. Nossos pesquisadores estavam interessados em descobrir por que motivos a verdade foi colocada em um altar tão alto, mas tão alto, que ninguém consegue vê-la. Sem ver a verdade, como saber do que se trata? Eles dividiram a verdade em dois grupos: a oficial e aquela do dia a dia. Em relação à primeira, nossos pesquisadores tentaram entender a relação que existiria entre a verdade e a Justiça oficial, aquela de leis, advogados, juízes, julgamentos etc. Eles sabem, claro, que a Justiça é cega (além de surda-muda). Então, se a Justiça é cega, como ela pode ver a verdade? Se a Justiça entra no meio, a verdade teria alguma chance?
A segundo linha de análise dá conta de uma verdade mais do dia a dia, pé no chão, que tem a ver com a vida das pessoas, nada de elocrubações teóricas bem ao gosto esclerosado de gente togada – verdade de nuvens, verdades etéreas, verdades vetustas. Verdade do dia a dia – verdades, na verdade. Nossos pesquisadores observaram que essa verdade, ou melhor, verdades, bem ou mal, mal ou bem, não atrapalham o fluxo da vida. Na verdade, ninguém dá muita bola para ela, ninguém a leva muito a sério, é mais mesmo só quando é para dizer que é verdade que seu time mereceu ser campeão (mesmo que através de um pênalti mais que duvidoso); que o político em que votou pode até ter roubado (mas os outros roubaram mais, e ele só roubou porque os outros roubaram primeiro). Sem falar no dinheiro. Que importa se o quilo do produto tenha 930 gramas? Que o litro tenha 950 ml? Que os orçamentos públicos e privados sejam peças de ficção? Que o rico pague menos imposto que o pobre? Que os preços públicos e privados sejam pura maquiagem? Para que tudo que está errado fique certo, muitos serão os interesses contrariados, do camelô ao megaespeculador, do feirante ao atravessador. Feitas as contas, a verdade mais atrapalha que ajuda a economia da vida das pessoas.
A coisa toda só se complica mesmo então quando a verdade, de um expediente prático, vira vaca sagrada. Aí é confusão à vista.
Reprodução permitida, desde que citada a fonte. Caso contrário vamos soltar os cachorros em cima do infrator. ;-)
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