Entre o muitos mistérios que tiram o sono do homem, o maior talvez esteja resumido em uma palavrinha de quatro letras: vida. Também, não era para menos: tudo que se imaginar está abrigado sob a ela: o bem e o mal; a política e a generosidade; a grandeza e a vileza; o campo e a cidade; o amor e a morte; Dizendo de outro modo, se ela não exitisse, nada existiria. Tema tão complexo não deixaria de merecer toda a atenção do mundo. Não há quem não tenha uma opinião sobre ela: bêbados de boteco e acadêmicos de academias; filósofos e jogadores de futebol; escritores de autoajuda e poetas sem leitores; jogadores de xadrez e jogadores de biriba.
Ao longo da história toda a turma que dava sua definição de vida refletia em seus pontos de vista alguma coisa do momento histórico em que vivia. Assim, se o tempo era mais filosófico, a vida era mais filosófica; se mais sociólogico, mais sociológica era a vida. De uns bons anos para cá, chegou o momento de a vida ser química, já tendo sido antes física e biológica, nos momentos em que essas duas ciências davam as cartas. O avanço que o homem pensa que faz quando faz avançar a ciência fez com que ele passasse a ver na vida uma manifestação fundamentalmente química. Em outras palavras, a vida = uma fórmula química. Nossos pesquisadores observaram que essa ideia tinha sua razão de ser: da inteireza que era no tempo dos filósofos primevos, o homem foi sendo fatiado ao longo dos séculos de acordo com as novas disciplinas que se desenvolviam. Então, o que antes era visto como um, passou a ser visto como muitos, de acordo com o ponto de vista da disciplina que estivesse mais em voga. O homem sempre foi complexo. Mas, cada tempo via essa complexidade de uma maneira: para os antigos, unidade; para os modernos, desmembramento. O homem passou a ser visto como uma espécie de frango, que, para ser conhecido, teria de ser destrinchado. O destrinchamento começou com o pensamento, que, de totalizante, passou a ser segmentado: primeiro a física, depois a biologia e, por fim, a química. Esse pensamento segmentado gerou ferramentas igualmente segmentadas. Se, antes, o pensamento era o bistúri, conhecer o homem em profundidade passou a ser mais fácil e interessante com o auxílio do próprio bistúri, de seringas, de âmpolas, de pipetas, todas retroescavadeiras da dimensão do homem. Pobre pensamento, refém dos novos protagonistas do conhecimento.
De milagre a vida passou a ser segredo, e segredo é questão de tempo para ser revelado. Ganhamos com a troca?
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