A história política registra que os julgamentos de Moscou não passariam de farsas, porque, na verdade, o veredito já teria sido decidido anteriormente e o desafeto do regime stalinista tinha destino certo: a morte ou a prisão na Sibéria.
Nossos pesquisadores, sem negar a existência desse fato, estavam com a pulga atrás da orelha, e perguntavam-se: só em Moscou? Não haveria maneiras e maneiras as mais diversas de se chegar a uma decisão antes de qualquer julgamento? Assim, tipo um jogo de cartas marcadas? E, pensaram eles: se regimes totalitários são mais truculentos, decisões já decididas antes do julgamento não são ainda piores sob condições não violentas, e, por isso mesmo mais insidiosas? Afinal, sem violência a coisa ficaria mais tranquila, certo?
Foi quando mudou o rumo da pesquisa. Originalmente, nossos pesquisadores estavam focados no universo jurídico-político, tentando entender se a não-violência não seria uma capa de civilidade que, por isso, seria mais eficiente para inocular seu veneno? A mudança ocorreu pela doce sugestão de uma de nossas pesquisadoras, interessada em descolar o foco da discussão do âmbito externo para o interno, mais exatamente, do contexto jurídico-político para o psicológico. O objetivo seria estudar se o julgamento a que uma pessoa chega, consultando tão-somente a si própria e sua consciência, ou seja, sua autoconsciência, não seria uma versão do julgamento de Moscou, uma versão íntima e mesmo intimista.
Primeira pergunta que apareceu: a autoconsciência teria consciência de estar julgando a si própria? Não veria problema nenhum nisso?
Segunda pergunta: e se a autoconsciência tivesse problema de visão? Ela estaria vendo tudo o que deveria ser visto?
Terceira pergunta; e se a autoconsciência tivesse problema de audição? Quer dizer, mesmo vendo o que deveria ser visto, de que adiantaria abrir a boca, se os ouvidos estiverem fechados?
Quarta pergunta: e se a autoconsciência estivesse com alguma espécie de demência? Nessa condição, como confiar no veredito que ela daria a si própria?
Chocado com as perguntas, mesmo que ainda em caráter inicial, um de nossos pesquisadores disparou à queima-roupa, sem piedade: e se Moscou, antes de estar fora, estivesse dentro de nós?
Reprodução permitida, desde que citada a fonte. Caso contrário vamos soltar os cachorros em cima do infrator. ;-)
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