À primeira vista, o aforismo acima pode parecer coisa de algum gramático empedernido, interessado em exibir seus dotes linguísticos, ao produzir uma frase em que as duas únicas palavras são a mesma palavra, o mesmo verbo em dois tempos verbais, o presente e o passado. Ou talvez você apostasse que o aforismo tenha sido perpetrado por um poeta daqueles preguiçosos, de versos econômicos, que iria encantar a todos à volta de uma mesa de boteco com sua genialidade poética.
Na verdade, o aforismo faz parte de uma pesquisa que desenvolvemenos na Fundação CANIS & CIRCENSIS, aliás, uma das pesquisas mais extensas e profundas e também uma das que mais interessam as pessoas. Nessa série de pesquisas, talvez um ou dois temas tenham o mesmo número de aforismos, nenhum deles mais. O objetivo da pesquisa é saber o papel da fé na vida das pessoas. Partimos de um dito religioso conhecido: a fé remove montanhas. Mas, de fato, não estávamos e não estamos interessados em saber se isso é verdade ou não. Nossa preocupação é anterior: o que nos interessa saber é se a fé seria capaz de criar a própria montanha. Ou, usando as palavras do próprio aforismo: se crer criaria a montanha.
Queríamos (e continuamos querendo) saber particularmente cinco coisas: 1) se crer é um processo que tem autonomia e independência em relação à realidade, ou seja, se crer não só não precisaria da realidade, como consideraria a realidade um detalhe insignificante; 2) visto que crer não teria nenhum interesse na única realidade que conhecemos, que realidades crer criaria; 3) se ao ser confrontado com a única realidade que temos, crer, mesmo diante de um engano cometido, daria o braço a torcer, ou se, criando a própria realidade, crer criaria igualmente os parâmetros para verificar a veracidade da realidade que cria, ou se a realidade criada por quem crê estaria dispensada de passar pelos testes de comprovação; 4) qual o nível de orgulho que teria uma atividade que desconsidera a única realidade à disposição; 5) se essa ojeriza toda da única realidade disponível não estaria escondendo algum distúrbio de personalidade, de caráter separador e esquizofrênico.
Tudo considerado, ficam duas reflexões:
1) em que medida crer é confiável?
2) afinal, crer cria o quê?
Reprodução permitida, desde que citada a fonte. Caso contrário vamos soltar os cachorros em cima do infrator. ;-)
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