Leitor, se há alguma coisa que não falta é literatura tentando nos aproximar de Deus, sustentando que, sendo filhos diletos entre toda a criação criada por quem eventualmente criou tudo – fato no mínimo muito discutível, concorda? -, a nós caberia a posição especialíssima de Nº 1, o filho dileto, o sucessor legítimo, o único capaz de dar proseguimento a essa bagunça toda.
Estando, portanto, totalmente alinhados com o que vem de cima e, mesmo abaixo, sendo os primeiros da fila, não haveria porque termos ideias diferentes, sentimentos diferentes, pensamento diferentes, funções diferentes de quem nos criou segundo a imagem e semelhança com que fomos criados. Mesmo porque, não se conhece na história caso de filho que, divergindo do pai, desse conquistasse a confiança. O que se vê é justo o contrário: no caso muito comum e repetido de divergência de pai com filho, este, achando-se mais que no direito de ocupar a posição que está almejando (a do pai), pura e simplesmente dá um golpe de estado, destrona o velho que, se tiver sorte, sairá dessa com vida, ainda que sua vida continuará mesmo dentro de uma masmorra, a pão e água.
E por que houve esse verdadeiro atentado ao que se julga ser o que ocorreria às mil maravilhas? Ora, era então porque as coisas não estavam às mil maravilhas! Mesmo porque, se o pai, por algum motivo, não precisasse do filho para dar prosseguimento ao seu trabalho, o que ele daria para ele seria (na melhor das hipóteses) uma sonora banana. Mas as coisas parecem não caminhar nem do jeito que o pai quer, o que inclui ter que precisar de quem ele não gostaria de precisar. Seria assim como se, para o pai, bom mesmo seria se o filho fosse um duplo dele-pai, uma mera reprodução digna e fiel dele-pai, sem nada de diferente, um pai-holograma.
Mas, porque o filho não poderia ser pai também? Estaria ele condenado a ser filho para todo-o-sempre-amém, não evoluíria para lugar nenhum, e quando chegasse seu momento de ser pai, só lhe restaria ser como foi seu pai, sem a menor possibilidade de ser um pai-outro, diferente do pai a quem estaria subordinado desde sempre e para sempre? Isso está parecendo menos uma evolução e mais um jogo de cartas marcadas, não te parece, prezado leitor?
Depois de toda essa conversa, resta saber quem criou quem e com quais intenções?
Reprodução permitida, desde que citada a fonte. Caso contrário vamos soltar os cachorros em cima do infrator. ;-)
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