Leitor, admita, todo mundo tem suas dívidas. Todo mundo deve ou deveu em algum momento algum para alguém. Você não seria diferente. Aliás, vê aí se se comove com nossa situação, envia um dinheiro, um Pix, ajude-nos a dignificar a inteligência humana – trabalho difícil até não mais poder.

Mas, como não somos mesquinhos, não estamos falando da sua dívida para conosco. Estamos abordando a questão de um caráter mais geral. Estamos falando da condição humana. Desse ponto de vista, o estudo do Aforismo não quer tentar compreender por que motivo todo mundo anda pendurado, naquela pindaíba de dar gosto (de quiabo).

Estamos falando daquela condição visceral de existir, ou melhor, do existir. Pensa que estamos brincado? Não poucos consideram que nossa dí-vida incial começa com a própria vida, que recebemos de graça, sem pedir nem exigir, e que, por isso, estabelecemos com ela essa nossa condição de eternos devedores, sabe assim tipo cavalo-dado-não-se-olham-os-dentes. Então, nossa vida é um cavalo, temos que agradecer por isso, mesmo com dentes provavelmente ruins.

Na longa estrada da vida e do pensamento, este levou nossos pesquisadores a perguntarem-se o seguinte: e se nós, cavalos ou não, com dentes ruins ou não, simplesmente déssemos um basta, disséssemos assim: ‘chega dessa vida-agiota, que, quando e quanto mais se paga, mais se deve. Chega. Deu, na dá mais, e não daremos mais’.

Vocês sabem que agiota é fogo e quer seu dinheiro de volta com juros e correção monetária. Por que seria diferente com a vida-agiota? Mesmo porque (falando em dívida), temos que dar um crédito à vida: ela doutrinou tão bem os cavalos que, a essa altura do campeonato, continuaremos (os que pagarem) pagando mesmo que a dívida já tivesse sido paga mesmo que em dobro, assim tipo dívida de cartão de crédito. Não lembra a história de uma fila: quem resiste? Bastou ver um monte de cavalos em fila indiana que mais um cavalo irá se juntar à fila da dívida que não será paga nunca. E o agiota continua com a consciência tranquila de que não precisa enviar seus capangas para cobrar uma dívida que, mesmo já tendo sido paga, sabe como é? Dinheiro é sempre bom, pode mandar mais!