Ficaram para trás os tempos do olho por olho, dente por dente, tempos em que a força física decidia tudo sem nem mesmo precisar recorrer ao par ou ímpar, no caso de empate. Empate? Empate significa igualdade e não pode haver igualdade entre vencedores e vencidos, lembra?! Alguém precisava perder para alguém sair como vencedor. Eram tempos difíceis em que tudo era decidido na pancada. Mas, a evolução fez o homem deixar de pensar que essa forma de violência explícita era a melhor maneira de resolver seus conflitos. Assim, ele passou a pensar em formas de dominação mais sutis, dignas de um ser que gostava cada vez mais de se ver como civilizado. Desta forma nasceu a justiça, em que a dominação não ocorre mais pela força dos músculos. Mas esta é outra história, como você, leitor, pode ler em outros aforismos.
Vendo-se e gostando de se ver como civilizado, restava ao homem ganhar desenvoltura neste novo terreno que era novo para ele, em que as exigências eram outras, bem diferentes daquelas a que ele estava acostumado. Assim, os músculos iam se tornando progressivamente mais flácidos e os punhos foram ficando incapazes de acertar o queixo de um banguela, deixar desacordado um raquítico, derrubar um anoréxico. Mas os negócios iam bem: no lugar do soco inglês e das luvas de boxe entraram as luvas de pelica e de seda. As aguardentes deram lugar aos chás.
Do mesmo modo, mudava o linguajar: antes, grosseiro; agora, sinuoso. No lugar de palavrões e imprecações que estimulavam o fígado de um rude estivador e as vísceras de uma rameira desqualificada, palavras suaves e melodiosas para seduzir as mulheres e ludibriar os homens. Nos novos tempos, os ouvidos, como os músculos, ficaram muito sensíveis. Nada de gritos e urros a céu aberto, apenas sussurros e cicios ao pé do ouvido nas salas de estar.
Claro que hoje em dia ainda se ouve um “vai encarar?”, principalmente no encontro de torcidas organizadas de futebol e entre condutores de veículos e de motos. Mas, quando isso acontecia lá no passado e quando acontece hoje, tínhamos e temos certeza de que não havia nem há nenhuma intenção oculta por trás de um soco, de um murro, de um punho fechado.
Mas, será que podemos ter a mesma certeza em relação à gentileza? Se não há nada por trás de um soco, de um murro, de um punho – que são o que são! -, o que existe por trás da gentileza?
Reprodução permitida, desde que citada a fonte. Caso contrário vamos soltar os cachorros em cima do infrator. ;-)
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