Rezam diversas lendas que o sofrimento, no final das contas, só existe por obra e graça do próprio sofredor. Sim, leitor, é isso mesmo que você está lendo. Se você está sofrendo porque sua namorada te traiu, culpa sua; se você está sofrendo porque foi demitido por culpa do colega-traíra, ops, culpa dele coisa nenhuma – culpa sua, que deve ter feito por merecer isso, e, pior, nem defender-se soube; se você desenvolveu um câncer, não culpe o câncer que, como qualquer forma de vida, está querendo apenas viver (mesmo que seja às custas da sua vida); se você está vivendo sob um regime político autoritário, culpa sua de não ter se informado corretamente e votado mais corretamente ainda; se você não tem dinheiro pra nada, porque a política econômica fica com toda a sua grana, culpa sua que não soube nem sabe defender-se de quem quer roubá-lo, afinal roubar é uma das grandes especialidades humanas, que o homem vem desenvolvendo há milênios e não seria justo ela não poder se exercitar pra cima de quem quer que seja, e que este se defenda, ora, ora!
Como consequência desse reciocínio, nossos pesquisadores observaram então que, para parar de sofrer é necessário entender o que está acontecendo, mais exatamente, que o sofrimento é como escolha de time de futebol, escolha de comer arroz com feijão e não feijão com arroz, escolha de namorar com quem já namora com todo mundo, escolha tipo quem ama o feio bonito lhe parece – tudo questão de escolha, pela qual cada um, por sua própria conta e risco, tem que se responsabilizar.
Como outra consequência desse raciocínio, não há saída fora do entendimento, mais exatamente, do entendimento de que quem tem que entender alguma coisa é você (nunca o outro), que exigir do outro que entenda é não estar entendendo nada, a começar do fato de que você é a soma de seus não-entendimentos, ou, em outras palavras, a soma de seus sofrimentos – e você não poderá nem culpar seus sofrimentos e suas dores, porque elas só estão espelhando que você (não você, leitor, os outros…) não passa de um burraldo, que não consegue nem se responsabilizar por seus peidos e puns, o que dirá de coisas mais sérias e menos mal cheirosas!
Tudo considerado, leitor, a conclusão desse Aforismo, segundo essa linha específica de raciocínio, é que sofrer é uma questão íntima, reservada, pessoal e intransferível – concorda?
Reprodução permitida, desde que citada a fonte. Caso contrário vamos soltar os cachorros em cima do infrator. ;-)
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