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Quem Somos

Há muito tempo nos dizem que o homem é um animal pensante. Há tanto tempo essa informação é cantada em prosa e verso, defendida em longos tratados jurídicos, psicológicos, sociológicos e políticos que nossa tendência é aceitar. Por dois motivos: primeiro, porque falam de uma qualidade que possuiríamos – se é verdade ou não, é uma questão em aberto. O segundo dos motivos entende-se melhor por uma contribuição da física: o efeito inércia, condição que faz um objeto permanecer na situação em que se encontra indefinidamente, até o aparecimento de uma força contrária, que alteraria sua condição original. Conjugados, os dois motivos criam o melhor dos mundos: tende-se a acreditar (e a continuar acreditando-se, indefinida e inercialmente) em uma informação que faz bem ao ego, que reforça o orgulho, que aquece o coração, que confere um sentido à vida, que parece direcionar a existência. Bom, não é mesmo? Em uma palavra: sim. Verdade? Em uma palavra: talvez.

Da inteligência à sabedoria, seria um passo. O passo seguinte conduziria da sabedoria à filosofia. A distinção entre as duas é ao mesmo tempo cronológica e geográfica. A sabedoria seria anterior e teve seus primórdios no Oriente. A filosofia seria uma filha rebelde da sabedoria e seu nascimento teria ocorrido no Ocidente. Essa distinção já deu muito pano para manga e oportunidade de discussões infindas entre os partidários de uma e de outra, letrados e iletrados, educados ou palpiteiros, discussões na academia e na padaria. Os livros abordando essa queda de braço somam-se aos milhares. Não nos cabe discutir aqui os argumentos de ambos os lados. Apenas nos permitimos ressaltar neste momento que não importa o nome que se dê a esse predicado – inteligência, sabedoria, filosofia –, o fato que deve ser enfrentado é que qualquer um deles nos coloca, enquanto animais, em um ponto inequivocamente superior a outros viventes também abrigados sob essa mesma distinção zoológica, ao menos do nosso próprio ponto de vista. Até hoje, não se conhece nenhum livro escrito diretamente por um animal de quatro patas. (Dependendo do ponto de vista, grande parte da literatura teria sido escrita justamente por seres de cabeça, tronco e cascos – discutiremos esse assunto em diversos textos.) A literatura registra a existência de livros escritos “em nome” de um cachorro, de um gato, de um camelo, de um coelho, de uma ave, de um bode – mas, diretamente dos cascos para as páginas, só intermediado pelo uso das mãos.

Mas, se é possível que mãos façam as vezes e o trabalho de cascos, o motivo só pode ser um: mãos e cascos têm mais em comum do que talvez qualquer inteligência, sabedoria ou filosofia, se descerem do pedestal em que elas próprias se colocaram, seriam obrigadas a reconhecer. As dívidas que os humanos têm com a natureza e com a animalidade são enormes. Se fizer um esforço para pensar com seus neurônios, o homem fatalmente chegará à conclusão sobre sua inequívoca animalidade.

Por motivos mais que óbvios, desconhecemos o que os animais grunhem, relincham, piam, miam, latem, trinam, ronronam, ceceiam, balem, mugem quando o tema da comunicação entre eles somos nós. Mas, você não tem curiosidade de saber se o seu cachorro gosta de você pelo que você é e não pelo osso que dá a ele? Ou se o seu gato ama você pelos seus lindos olhos azuis (podem ser de outra cor) e não pelo leitinho colocado na tigelinha? Ou se o golfinho faz lindos movimentos no cativeiro porque, lá dentro, a única forma de jantar uma sardinha é pelas mãos de quem o aprisionou? Passar fome é terrível, para qualquer animal, não importa o número de patas, nem o tamanho do cérebro, nem a quantidade de neurônios. Lembre-se do que fazem animais que perdem sua área vital de sobrevivência, onde estão suas presas: invadem as casas. Nada contra você e os seus lindos olhos azuis: é fome, mesmo, e a invasão, desta vez, não foi promovida por nenhum movimento sindical. Não temos nada contra o seu Lulu tão dócil ou sua Xaninha tão interesseira, mas a fome faz criaturas de qualquer espécie virar animais.

Os textos que você lerá não são de culinária, nem de zoologia. É sobre fome. Não uma fome hormonal, mas neuronal. Não uma fome estomacal, mas uma fome cerebral. Identificamos que nossos neurônios, aqueles que fizeram com que nós próprios nos colocássemos acima de tudo, andam meio à míngua, abandonados à própria sorte, por não estarem sendo alimentados com a ração adequada. Vários são os responsáveis pelo estado famélico a quem estão sendo submetidos nossos neurônios, mal mantidos a pão e água. A dieta a que estamos sendo submetidos está conduzindo todos a um raquitismo intelectual altamente preocupante. Nosso cérebro está encolhendo, caminhamos a passos largos para ter um nano cérebro, atingindo talvez o objetivo pretendido: o de que o Tico e Teco não sejam apenas uma representação da exigüidade intelectiva, mas que sejam de fato as duas únicas criaturas que poderão ser encontradas dentro da caixa craniana – você reparou que Tico e Teco são dois … animais?

O que fazer para reverter esse estado de coisas? Existe alguma coisa que pode ser feita? Ainda há tempo? O que você lerá é uma singela tentativa de um grupo de pessoas preocupadas em impedir que o cérebro seja apenas um órgão abrigado em um espaço cuja única função seria separar duas orelhas (independente do tamanho).

Nosso grupo se intitula CANIS&CIRCENSIS. Para refletir a necessária independência que julgamos imprescindível para o exercício livre da inteligência, acreditamos ter escolhido, depois de um profundo debate entre todos os nossos colaboradores, o slogan que melhor reflete tanto nosso DNA enquanto Fundação como nossa filosofia prática de atuação: CACHORRO SEM DONO É O DONO DO CACHORRO. Nossas pesquisas não têm coleira. Não abanamos o rabinho para quem quer que seja, pessoas físicas ou jurídicas. Não adianta dar a ordem que nós não iremos nos fingir de morto.

Quando nos reunimos para debater a contribuição que poderíamos dar, várias possibilidades foram levantadas. Depois de quase fundir a cabeça (ainda temos o que fundir!), optamos por escrever textos que respeitassem as diversas dificuldades enfrentadas por todos nós no dia a dia: falta de tempo, estresse, correria, pouco dinheiro, pressão dos chefes, dívidas, dúvidas, excesso de peso, poluição sonora e ambiental, colesterol, queda do apetite sexual, música de sucesso, diabetes, programas de auditório, entrevista de celebridade, coachers sem fim. Tudo isso considerado, decidimos por um punhado de frases seguidas de um texto curto, que analisa os resultados das pesquisas que fazemos sobre o tema abordado. Dessa forma, você poderá lê-las no ônibus, no metrô, na fila do caixa eletrônico (sim, ele foi feito para agilizar o atendimento, mas parece que as coisas não estão ocorrendo como previsto), esperando ser atendido em uma repartição pública (pode escolher qualquer uma, nenhuma funciona mesmo). Como você pode ver, pensamos em tudo: são textos que poderão ser lidos em muitas situações do dia a dia. Portanto, não há motivo para você não nutrir sua inteligência com um suplemento alimentar que você não irá encontrar em nenhuma loja de fitness. Precisa de mais um argumento? Cada texto trará, sempre que possível, recomendações de uso – assim, você poderá mostrar nos locais que costuma freqüentar que não desceu das árvores a semana passada.

Em outras palavras, poderíamos ter optado por textos eruditos, escritos por e para especialistas. Mas, achamos que, fazendo isso, estaríamos fazendo o jogo daqueles que acham que a verdade é de propriedade de uns poucos iluminados. Não compactuamos nem abanamos o rabinho para essa idéia. Por isso, optamos por uma maneira modelo-manequim de fazer um trabalho científico de divulgação. Como você certamente já notou, não usamos a expressão divulgação científica, excessivamente banalizada pelos interessados em conferir status acadêmico a trabalhos de duvidosa seriedade e procedência neuronal.

Cabe-nos uma advertência. Diversas vezes, você, leitor, lerá versões de ditos populares bastante diferentes da que estamos todos acostumados. Tenha em mente que os Aforismos aqui não são fruto da mente dos nossos brilhantes pesquisadores, mas um trabalho de parceria entre eles e o que nosso público respondeu nas pesquisas de campo que fizemos. Sim, fomos a campo, não somos pensadores de gabinete, acreditamos no bate-e-volta do pensamento e da inteligência, apelidado de diálogo. Devemos essas versões e esses esclarecimentos a nossa indômita esquipe de pesquisadores que depois de um acurado trabalho de prospecção antropológica revelou para todos (inclusive para nós mesmos) o que estava por trás de ditos aparentemente inocentes, mas que refletiam todo tipo de interesses corporativos, de esprit de corps, de interesse de classe e principalmente de falta de classe.

Este é um trabalho de pesquisa, e, para ser executado, procuramos nos cercar dos mais rigorosos procedimentos de coleta e análise de dados. Acredite – fizemos o melhor que permitiram nossas forças, nosso empenho e nossas patas. Mas, somos humanos. Como você poderá constatar, muitas vezes não pudemos evitar que nossa indignação se refletisse em comentários que, reconhecemos, talvez tenham ido além de um trabalho de análise. Esperamos que você não se importe com essa ‘liberdade’, mas a veja inclusive como um reflexo do bem pensar, o que nos coloca, permita-nos o comentário, acima de todos aqueles que nós colocamos abaixo de nós. O rigor com que procuramos desenvolver nosso trabalho científico nos permite dizer que os comentários que faremos estão justamente ancorados no rigor com que desenvolvemos o trabalho científico, em todas as suas fases: a confecção dos questionários, a criação do logotipo da nossa Fundação CACHORRO SEM DONO É O DONO DO CACHORRO, a abordagem correta dos nossos pesquisadores no trabalho de campo, a tabulação dos resultados, a confecção dos relatórios. Em outras palavras, os nossos são palpites de gente educada, e não palpites de palpiteiros de salão de barbearia ou de beleza.

Por força do rigor do nosso trabalho, já fomos procurados por diversas instituições interessadas em nos contratar para desenvolver trabalhos semelhantes. O dinheiro(*) oferecido é tentador, mas não adianta jogar qualquer pedaço de pau que nós não vamos atrás para trazê-lo de volta a você. Não pense que faremos qualquer coisa por um pedaço de osso.

Nosso objetivo não é ofender pessoas ou idéias, apesar da agressão que a maioria delas perpetra contra o pensamento e à inteligência, dando, cada uma delas, aquelas idéias e aquelas pessoas, uma inestimável contribuição para fazer do cérebro um objeto de decoração colocado sobre o pescoço, como um jarro de flores de plástico colocado sobre uma toalha rendada em cima da mesa da sala de estar. Sim, repetimos: um vaso de flores de plástico vermelhas no centro da sala não faria papel menos decorativo. Mas, mesmo que esta seja uma obra de ficção, ainda que, repetiremos sempre, escrita com todo o rigor intelectual, não poderemos, em respeito à verdade (irmã gêmea da inteligência), garantir que fatos e situações aqui narrados sejam mera coincidência. A inteligência tem disso: gosta de provocar.

Cérebro é como qualquer coisa na vida, a amizade, a caridade, o sexo: a performance melhora com o uso – use-os!

Você não encontrará nenhum de nós em petshops, em feiras de cosméticos e xampus para cachorros – terá mais sorte de localizar um de nós em becos e vielas, remexendo latas, colocando o nariz onde o cheiro for mais atraente …

Há muito tempo, um filósofo metido que só (e qual não é?) disse que a palavra cão não morde. Claro!: o cão dele deveria ser um Lulu, ou melhor, deveria ser uma palavra desdentada! A palavra do nosso cão é da saudade das selvas e das savanas. Nossos latidos e uivos perdem-se na noite dos tempos.

E mais importante: no CANIS&CIRCENSIS não tem cachorrada. Nem entre nós e muito menos com você, nosso público leitor e colaborador.

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