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Sabedoria tem estômago de pedreiro

O leitor desses Aforismos é sabido – ele sabe que a sabedoria só se tornou uma questão filosófica inodora e insípida depois de ter sido sequestrada de seu lugar de origem, a gastronomia. Enquanto estava sob a saborosa vigilância da gastronomia, a sabedoria ia muito bem, obrigada. Havia saúde; havia boa vontade; havia bom humor; havia disposição; havia corpos saudáveis e apetitosos. Mas, isso foi há muito tempo.

Depois que tudo mudou, tudo mudou. O que era antes, passou a não ser mais. No lugar de temperos, reflexões; no lugar de manjares, conceitos; no lugar de frutas, ideias; no lugar de legumes, raciocínios; no lugar de carnes, ideias. Tudo isso delicadamente misturado, aprendizado que as gentes dos povos do mundo foi cozinhando em fogo baixo ao longo de séculos e séculos. Comida com sabor, saber estimulado.

Mas quando tudo mudou, tudo mudou. Aí, a alquimia das comidas entre si e a principal das alquimias, a alquimia do que se comia com quem a comia, foi deixando aos poucos de existir. O que cada tempero, manjar, fruta, legume, carne tinha de seu e que ficava de outro jeito quando se misturava com outros temperos, manjares, frutas, legumes e carnes, tudo cada um de um jeito e juntos de um jeito tudo único, foi ficando tudo cada vez mais igual. O diverso ficou monótono. O heterogêneo, homogêneo. Antes estimulado toda e cada vez que os sabores e suas combinações o estimulavam a fazer suas mandracarias, o estômago acabou ficando mais e mais preguiçoso e pouco fazia da magia que faz de uma coisa, outra. No lugar da cartola de mágico, um estômago engomadinho e burocrático, apto apenas para fazer pequenos truques.

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