Com o couro devidamente curtido depois de tanta porrada, não estranhamos a enxurrada de críticas que recebemos quando esse Aforismo começou a ser veiculado. Claro: toda vez que estudamos algum tema que mexe com a crença das pessoas, a coisa pega.
Claro que você conhece o pano de fundo dessa conversas, mas para esclarecer, esclarecemos: tradicionalmente, a carne sempre foi vista como a vilã da história, a garota má e perversa, só a fim de diversão, farra, sexo, drogas e rock’n’roll, enquanto, do outro lado, o espírito, esse sim, o elevado da história, tentaria de tudo que é jeito frear esse corpo impulsivo e repulsivo. Desde o início, nossos pesquisadores estranhavam um pouco (muito, na verdade) essa colocação muito rígida e dicotômica: por que tão separadas essas duas identidades? Se existiria alguém tão sem-caráter a ponto de ser corruptível (leia-se: a carne), por que não haveria algo/alguém igualmente tão sem-caráter (para não dizer mais) e corruptível (leia-se: o espírito)? Ou a corrupção da carne viria do fato de ela ser corruptível por sua própria natureza, algo assim como do porco você não pode esperar nada mais do que porcaria?
Em outra linha analítica, poderíamos dizer que a carne é fraca, e, dada sua fraqueza essencial e natural, ela, mais cedo do que tarde, cairia em tentação, quer dizer, cairia na situação que é a sua própria essência, e não haveria nada a fazer, nada exceto a queda.
Enquanto isso, do outro lado, lindo e limpo, estaria o espírito, o impoluto, o imaculado!
Desnecessário dizer que não faltam justificativas, que quase sempre aparecem para justificar o injustificável. Observamos que o espírito tem uma legião de defensores fiéis, sempre prontos e dispostos a defender, ou melhor, a atacar o que julgam ser o inimigo – e um inimigo é sempre necessário, um inimigo de fora, porque se esse inimigo fosse interno, fosse incorporado (com a desculpa do trocadilho), aí o espírito teria que admitir não só que ele não está sozinho no baile da vida, mas que não é ele apenas o responsável pelos grandes momentos, deixando à carne o que é ruim, grotesco, pior, nefasto e por aí vai.
Cá entre nós, bem espirituoso esse espírito, não?
Reprodução permitida, desde que citada a fonte. Caso contrário vamos soltar os cachorros em cima do infrator. ;-)
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