Anterior
Próximo

Será que a realidade se sente representada pela palavra?

Outro daqueles temas que somos solicitados a retomar com frequência. Um de nossos pesquisadores decidiu radicalizar: propôs estudarmos se houvesse uma verdadeira rebelião da realidade, de todas as realidades, que protestariam energicamente contra a maneira como estaria/estariam sendo representada(s) pela palavra que a(s) nomeia. Nossos pesquisadores especularam o seguinte: tudo bem que não dá para não ter um nome de batismo, nem que seja Zé, o que facilita enormemente a comunicação e a convivência. Mas, e se o nome que nomeia alguma coisa, tipo o Zé acima, desse uma banana para quem está representando (um Zé real), não atendesse os reclamos do Zé que estaria representando, e passasse a agir por conta própria? Algo assim como um representante que desse as costas para o representado, que faria as coisas por conta do que passa sua cabeça, sem consultar o Zé real, na maior cara dura, dando um verdadeiro golpe de estado, fazendo-se passar o Zé representante pelo Zé representado, dizendo ter procuração total para todos os assuntos, dizendo estar advogando pelo e para o Zé real, quando, na verdade, só está mesmo advogando em causa própria? Bem, pensaram nossos pesquisadores, mas o que restaria ao Zé real? Como ele faria para dizer aos quatro cantos que o Zé pelo qual ele ficou conhecido no mundo, o Zé da palavra Zé, tinha simplesmente eliminado todos os concorrentes, matados todas as outras palavras Zé, que mostravam outras realidades do Zé real, dizendo-se não apenas o representante legítimo do Zé, mas o único Zé possível? Como o Zé real poderia mostrar-se como acha que é, como sendo verdadeiramente, sem recorrer ao Zé-da-palavra, à palavra Zé? Sem falar que, antes do Zé real poder aparecer como é, teria que fazer um trabalho de limpeza, uma faxina, para purificar o que o Zé-da-palavra passou a fazer em seu nome à certa altura das coisas, um trabalho gigantesco, dependendo do prejuízo que o Zé-da-palavra teria causado à reputação do Zé real. Mas, nossos pesquisadores especularam: como o Zé real poderia enfrentar o Zé-da-palavra sem recorrer justamente à palavra? Quer dizer: usando a ferramenta que o Zé-da-palavra sabe usar melhor do que ninguém, justo a palavra – justo, mas não justa?! Seria como o Zé real estar lutando no campo do inimigo, com a ferramenta que o inimigo domina à perfeição! Pobre Zé, seja esse Zé quem for – bicho ou planta ou fenômeno cosmológico ou uma emoção, ou uma condição do tempo, quem seja, quem sejam – todos Zés eternamente refém da palavra que os representa.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

plugins premium WordPress