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Toca e ninho não são moradas para o errante caminhante da palavra

Segundo nossos pesquisadores, fomos adestrados desde tenra infância a considerar a moradia como refúgio contra o mundo, contra as injustiças do mundo, contra os ataques do mundo, contra os desmandos do mundo, contra a iniquidade do mundo. Mais que moradia, a morada: morada da paz, do sossego, da tranquilidade, dos valores que sempre foram e deverão ser como sempre foram, tudo devidamente esquadrinhado, tudo no seu devido lugar, porque, afinal, fora do lugar já basta o mundo, o imundo.

Nossos pesquisadores advertem para o fato de que essa verdade é tão verdadeira que valeria a começar dos animais, sejam eles moradores de moradas como uma toca ou um ninho. Se até animais, que têm dentes afiados, caninos afiados, garras afiadas, mandíbulas e patadas matadoras precisam de um refúgio, de um lugar seguro, para se proteger dos ataques do mundo, por que com o animal-homem seria diferente?

Então, o bicho, inteligente que é, divide a vida em duas metades: no mundo, a luta; na na moradia, o sossego. Nossos pesquisadores advertem que não teria sentido o bicho trazer para sua toca ou ninho alguma encrenca, qualquer encreca, que bicho não é idiota nem nada. Deixa isso tudo para o mundo. Moradia é lugar de refazer as forças, recarregar as baterias, recobrar o ânimo, recuperar a energia, acertar o corpo, esticar a coluna, respirar fundo.

Mas, advertiram nossos pesquisadores: o homem é um animal e também para ele o mundo não é assim pudim de leite condensado com cobertura de chantilly. Sendo assim, para o homem também é fundamental, para ele continuar vivendo, que encontre suas formas de proteção. Afinal, o homem também tem a sua selva lá fora: trânsito, poluição, patrões, economia, salário que não dá pra nada, boletos que não param de chegar, políticos, religiosos, gente que sai de carro com o som ligado no último volume – isso para ficar em alguns poucos exemplos. Então, diante desse cenário nada animador, desafiador, na verdade, nada mais natural que o homem ter um pics onde bater e, assim, sossegar a mente. Para isso, que tal uma boa leitura, por exemplo, dos Aforismos do Canis & Circensis, ou seria fazer do sagrado espaço de descanso novamente um campo minado?

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