Anterior
Próximo

Eu, quetão de costume?

Acostuma-se a tudo na vida? Esse era o desafio dos nossos pesquisadores: pesquisar por que, não importam as dificuldades; não importam os problemas; não importam as restrições; não importam as injustiças; não importa a roubalheira; não importa o descaso; não importam as limitações – mesmo nessas condições, parece que o ser humano acaba por se adaptar a praticamente tudo na vida.

Partindo dessa premissa, nossos pesquisadores pensaram: mas as situações restritivas às quais o ser humano acaba por se adaptar são muitas: falta de amor; falta de caráter; falta de dinheiro; falta de cuidado; falta de saúde; falta de afeto; falta de respeito; falta de atenção; falta de honestidade; falta de honradez; falta de carinho; falta de companheirismo; falta de rosas no nosso jardim; falta de educação; falta de generosidade – e mesmo assim, o ser humano continua vivendo, com cada vez menos.

Nossos pesquisadores começaram, então, a especular o que poderia explicar tamanha resilência, ou se este conceito não teria sido desenvolvido para dar um nome bonito a uma situação muito triste, ajudando, assim, a ampliar a falta (mas agora com pedigree acadêmico), passando aos carentes a ideia de que a situação pela qual eles estão passando é importante o suficiente para merecer um diagnóstico à altura. Mas, o que é preferível: um diagnóstico bonito ou um problema resolvido (tenha ele o apelido diagnóstico que tiver)?
Será que o ser humano teria na verdade acostumado a acostumar-se? – especularam nossos pesquisadores. Assim, não vendo alternativa senão conformar-se com o que aí se apresenta, o que restaria a fazer? Acostumar-se, certo?

Nesse momento, um de nossos pesquisadores propôs uma explicação corajosa: e se o ser humano acostuma-se a tudo e a todos justamente por que, para começar a conversa, acostumou-se a acostumar-se a si próprio? Pior: não tendo se acostumado com a ideia oposta, a de não se acostumar consigo próprio, acabou por acostumar-se com o que a casa oferecia, quer dizer, ele mesmo. E acostumou-se tanto, que qualquer coisa que viesse a combater esse estado de letargia, esse estado de imobilidade, mereceu dele a mesma atenção que um evangelizador recebe das pedras do deserto. Ou a mesma atenção que um boi dá a um tecido de cor vermelha – este tratamento o homem acostumou-se a dar ao semelhante que se acostumou a ser diferente dele.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

plugins premium WordPress