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Deus não é porquê. É: por quê?

Todos – ou quase todos – crescemos ouvindo que Deus teria resposta para tudo. Mais até: Ele, na verdade, seria a resposta para tudo. Essa informação deixou nossos impolutos pesquisadores intrigados, fazendo-os se perguntar: como Ele poderia, ao mesmo tempo, ser a resposta para o desemprego de José? Para o coração partido de Maria, trocada pelo marido por uma Maria com metade da idade, e com três filhos pequenos para criar? Para as dívidas elevadas às alturas pelos juros do empréstimo bancário tomado por João para sustentar a família? Para o ressentimento piedoso de Fátima, deixada de lado na hora da promoção para gerente, dada à amante mais nova do diretor, Mônica, especialista em agradá-lo debaixo da mesa do escritório? Para as aflições do aposentado Benedito, que sofre de enxaquecas colossais, obrigado a conviver com seu vizinho músico de punk, que jura que toca 50 músicas diferentes, mesmo que todas elas tenham as mesmas três notas? Para o desespero de Brasilino, nacionalista e patriota, que não sabe se reza para que os políticos (como ele, também filhos d’Ele) deixem de ser corruptos ou se reza simplesmente para que eles morram? Para a lavoura totalmente ressequida de Januário? Para a loucura de Bento, há décadas encarcerado dentro de si mesmo? Para o desespero de Sílvio, cujos dedos, outrora em forma de prece, hoje à noite podem puxar o gatilho da arma apontada para sua cabeça? Para a angústia que aperta o peito de Pedro, obrigado a viver com menos oxigênio a cada respiro? Para a morte de Abel, quando Caim vive vida longa e próspera? Para a morte de Gabriel, anjinho morto novo, só porque Deus (dizem Seus filhos, já que Ele não) quer perto de Si as companhias puras, obrigando-nos a nós seus filhos convivermos com os impuros filhos Dele nossos irmãos?

Afinal, perguntaram-se nossos pesquisadores: Deus é resposta para tudo ou pergunta para tudo? Foi quando um deles, portador de veleidades poéticas, lembrou-se de uns versos famosos: “Deus, ó Deus, onde estás que não responde? Em que mundo, em que estrela tu te escondes, embuçado nos céus? Há dois mil anos te mandei meu grito, que embalde desde então corre o infinito / Onde estás, Senhor Deus?”

Não pudemos apurar se Deus sofreria de alguma moléstia auditiva que O impedisse de ouvir, ou, se não sofresse, por que não responderia a um clamor tão pungente e antigo? Pois se, mesmo depois de dois mil anos, a gente humana ainda continua a perguntar por Deus, não será que Ele não é isso mesmo, uma pergunta? Se em dois mil anos não houve nenhuma resposta, sequer indício, o que nos restará fazer nos próximos dois mil anos se não continuar perguntando?

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