Morte – haveria um tema mais aterrador para o ser humano, pior que impotência para homem e celulite para mulher? O desconhecido! A escuridão! A anulação total!
Com essa ideia em mente, nossos pesquisadores decidiram investigar a veracidade do aforismo acima, mais exatamente: se a morte é uma prática, poderia ser aprendida; com a prática, adquiriríamos know-how em pequenas mortes sucessivas e cotidianas para, quando chegasse, agora sim, aquela morte, a definitiva, aquela sem volta, aquela com a qual não dá para barganhar (exceto aqueles que a venderam ao Coisa Ruim, mas aí que arquem com o preço de sua soberba, pois mais vida, mais dívida), estaríamos, ao menos em tese, em condições de encarar o grande mistério sem tanto temor, encará-lo frente a frente (sic), feito homens dignos desse nome e não como criancinhas choramingas a lamentar porque a brincadeira chegou ao fim.
Mas, habitua-se à morte? Morrer pode ser cotidiano? Pois morrer cotidianamente é o que ocorre com nossas células, segundo ensinam os biólogos, e assim será pelo resto dos momentos que antecedem aquele momento no qual nos será dado o ultimatum.
Se do ponto de vista biológico morrer é o que nos ocorre diariamente, como seriam as coisas em planos mais sutis, menos grosseiros do que aquele em que chafurda a carne putrefasciente? Morreríamos também em espírito cotidianamente? Nossos pesquisadores ficaram em dúvida: a quem perguntar sobre tema tão vasto e profundo? Quem teria recursos para responder? Filósofos? Pode ser, mas é uma gente que vende ar engarrafado, então, cuidado! Poetas? Cuidado em dobro! Encantam cantando e encantados ficamos na mesma (talvez um pouco mais alegrinhos). Religiosos? Cuidado elevado à potência n: misto de filósofos e poetas, ainda mais iludidos que os outros dois, e com o charme de saberem supostamente do que estão falando.
Depois de muito quebrar a cabeça, nossos pesquisadores acharam que havia um grupo de pessoas que pareciam ter mais condições de responder sem enrolar (como os filósofos), sem decantar (como os poetas) e sem iludir (como os religiosos), pessoas que têm na morte sua existência: os apaixonados, que vivem como se cada paixão fosse a última e, quando esta acaba (fazendo o que lhe cabe fazer), sabem que ela não acaba com eles, que continuam vivendo à espera da próxima paixão, prontos que estão a se apaixonar, quer dizer, a morrer.
Reprodução permitida, desde que citada a fonte. Caso contrário vamos soltar os cachorros em cima do infrator. ;-)
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