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Se é mentira, aí é que deve ter alguma verdade

Fomos acostumados a acreditar que a verdade é uma coisa, outra a mentira, e a relação entre elas é de marido e mulher: são inconvivíveis, simplesmente. A impossibilidade de que possam estar lado a lado, compartilhando intimidades, arrepia a toda pessoa que se considera de bem. E sempre foi assim, basta consultar a literatura religiosa: nela, não faltam palavras condenatórias à mentira e ao mentiroso. Mentir conspiraria contra a perfeição da criação, que tem, na verdade, seu esteio, sua razão de ser. Mas, isso foi no tempo em que ainda se acreditava que o homem era vertical, crença em que se acreditou durante muito tempo. Até que chegou o tempo em que foi diagnosticada a existência do homem horizontal (que sempre existiu, mas que só aparecia sob a luz da Lua). Para jogar de vez uma pá de cal na verticalidade que o homem acreditava ser sua posição, chegou agora o tempo da transversalidade. Traduzindo: o homem passou a ser ao mesmo tempo vertical, horizontal e diagonal, e uma palavra passou a definir sua posição, a dita transversalidade. Posição? Posição, mas nada fixo, definitivo: em um segundo de um jeito, de outro no segundo seguinte, assim, 24×7.

Diante dessa constatação, nossos pesquisadores se perguntaram: como ser um e sempre o mesmo o tempo inteiro se o tempo inteiro tudo muda? Como ser verdadeiro na vertical, se isso agride o horizontal? Como ser verdadeiro na horizonal, se isso agride o vertical? Fazer o quê, então? Ser verdadeiro na vertical e mentiroso na horizontal ou ser verdadeiro na horizontal e mentiroso na vertical? Alguém poderia ser verdadeiro, absolutamente verdadeiro, nas duas situações, sem falsear a verdade? (Por facilidade didática, nossos pesquisadores tiraram da pesquisa Deus e malucos, religiosos ou não, que fazem da incapacidade de decidir seu modo de vida). 

Até o momento, o que foi possível apurar foi o seguinte: na impossibilidade de ser as duas coisas íntegra e integralmente, o homem optou por ser parcialmente as duas coisas: deixou de lado a inteireza da verticalidade e da horizontalidade e preferiu ser uma coisa sem deixar de ser a outra, ao mesmo tempo. Essa opção se revelou muito eficiente: passou a ser possível amar e odiar ao mesmo tempo; a fazer um discurso honeto e ter uma prática desonesta; a roubar e a fazer caridade;.

No momento, nossos pesquisadores estão pensando assim: diante desse quadro, como seria possível localizar a verdade (se ela pode estar na mentira), ou localizar a mentira (se ela pode estar com a verdade)?

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